Computador na escola: solução ou problema?

Para o psicanalista e doutor em psicopatologia clínica, Contardo Calligaris, há um excesso de expectativa na chegada do computador à sala de aula. Ele alerta para o esquecimento de outros fatores que, efetivamente, constituem uma escola. Aos professores que vivem a pressão de uma informatização do ensino, Calligaris dá uma orientação básica para se aproximar dos alunos.

Atualmente, o psicanalista vive nos Estados Unidos, onde atende e faz aconselhamento de pais e adolescentes. É autor dos livros Hello Brasil!, da editora Escuta, e Crônicas do individualismo cotidiano, pela Ática. Em sua passagem pelo Brasil, para participar de um debate em São Paulo, concedeu uma entrevista exclusiva ao jornalista Ebenezer de Menezes. Conheça abaixo algumas idéias de Calligaris sobre o uso do computador e de seu papel na vida de crianças e adolescentes.

Existe uma aprovação pedagógica quase unânime em relação ao uso do computador na sala de aula. Isso lhe causa alguma preocupação?
Contardo Calligaris — Não tenho nenhuma preocupação com isso. A única preocupação que eu teria quanto a isso é que eu acho que existe uma supervalorização do uso da informática na sala de aula. Ou seja, é considerado, muito freqüentemente, nos investimentos pedagógicos, como sendo uma espécie de vareta mágica; como se graças à chegada da tecnologia e da informática nas escolas, de repente, o rendimento escolar, a qualidade de ensino e os resultados do mesmo fossem fadados a melhorar repentinamente. Isso não é verdade.

Não tenho nenhuma reserva, mas acredito que a informatização, certamente, vem depois da formação dos professores e de uma série de outros fatores que são cruciais pedagogicamente. Não vamos poder construir ou inventar um processo educativo simplesmente graças ao acesso ou à presença de um computador para cada estudante na sala de aula. Isso não constitui uma escola.

Com relação às novas tecnologias utilizadas na sala de aula, acha que a difusão do saber não está sendo mais eficiente?
Contardo Calligaris — Acho que o computador na sala de aula é um utensílio de grande interesse. Acho excelente que isso aconteça. Mas acho que não precisa sonhar. Não é isso que vai imediatamente resolver ou inventar uma escola mais eficiente. Isso em si não é suficiente. Já aconteceu, efetivamente, uma proliferação de computadores em sala de aula, mas os professores não eram qualificados para ensinar os estudantes a se servirem da tecnologia. Portanto, os computadores ficaram num canto da escola numa caixa. Mesmo no caso em que o professor sabia lidar com a tecnologia, muitas vezes eram os alunos que ensinavam o professor. Acho que é um fato positivo.

O único problema é que, geralmente, há certa tendência hoje a atribuir um certo valor, uma expectativa excessiva, à chegada da informática na sala de aula. Como se, a partir disso, quando todos os alunos tiverem acesso à Net (rede mundial de computadores), será muito diferente. Não será. Isso não é constitutivo de uma experiência pedagógica em si.

A escola está sendo informatizada e há uma pressão em cima do professor e de sua pedagogia. Que orientação daria para esse professor lidar melhor com a tecnologia e a relação com o conhecimento? Ou até com a relação afetiva professor-aluno?
Contardo Calligaris — Acho que uma das coisas interessantes é que certamente o professor vai ser levado a lidar com o computador e sobretudo com a Net. Ele vai se aproximar por esse caminho da experiência do mundo dos alunos, que às vezes, pode estar afastado da experiência de mundo do professor.

Então, se é para dar um conselho para os professores que estão nesta situação, acho que eles têm que passar muitas noites “surfando” na Net. Pois eles só vão conseguir se comunicar com os alunos a partir do momento que estiverem tomados um pouco pelo mesmo horizonte de interesse, no mesmo tipo de experiência da realidade virtual que a Net proporciona. Vão (os professores) fazer curso de informática e alguém vai ensinar como se clica num ícone. Mas isso não é suficiente. A única coisa que vai lhes permitir, verdadeiramente, usar junto com os alunos o computador e sobretudo a internet é entrar nessa cultura, fazer parte dela em alguma medida.

Alguns artigos criticam o uso do computador e da internet por considerar que eles contribuem para um aumento do individualismo. O que pensa sobre isso?
Contardo Calligaris — Não me reconheço muito nessa crítica. Há uma série de pessoas que, com as melhores das intenções, preocupam-se com o fato de que o computador isola. Na minha experiência não é bem assim. Quando digo minha experiência, penso nos meus filhos que moram nos Estados Unidos, onde não há computador na sala de aula. Eles têm aulas de informática, mas na sala de aula não tem computador: trabalham com livros, biblioteca…

Porém, cada estudante tem, geralmente, em casa um computador, que usa largamente para mil coisas. Ficam conectados à rede o tempo inteiro para estudar, conversar com os amigos ou fazer download de MP3 para escutar música. Além disso, quando os jovem se visitam mutuamente, o que acontece o tempo inteiro, o computador não é um fator que isola. Ao contrário, é um objeto em torno do qual eles freqüentemente se reúnem. Então, o computador é um objeto pelo qual eles se comunicam e ao redor do qual podem se reunir. Acho que ele (o computador) é menos produtivo de uma espécie de solidão contemplativa do que a própria televisão.

A outra crítica clássica é sobre as relações e, particularmente, a sexualidade virtual. Também é um pouco furada, porque não sei se a sexualidade virtual é muito mais virtual que a sexualidade real. Então, desse ponto de vista, não tenho objeções. E a minha sensação é que o computador e, sobretudo, a Net, acabam sendo para crianças, jovens e adolescentes, muito mais fator de comunicação do que fator de isolamento.

COMO CITAR ESTE CONTEÚDO:
MENEZES, E. T. Computador na escola: solução ou problema?. EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2001. Disponível em <https://educabrasil.com.br/computador-na-escola-solucao-ou-problema/>. Acesso em 24 nov. 2024.

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