O ensino de ciências e alguns problemas…

“Galileu não descobriu satélite nenhum em Saturno”, esclarece o biólogo e professor Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP, referindo-se a um sistema de avaliação que diz o contrário. Autor do livro Ciências: Fácil ou Difícil?, editado pela Ática, Bizzo divide seu tempo entre atividades acadêmicas e de assessoria. Foi consultor dos PCNs de Ciências Naturais de 5ª a 8ª séries e, atualmente, exerce a função de membro da Comissão Técnica de Avaliação do Livro Didático (MEC) e de conselheiro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Nesta entrevista, conheça um pouco de suas idéias, sempre críticas, sobre o ensino de ciências, o papel dos jornais, contribuições e problemas dos PCNs.

Desde a notícia sobre a ovelha Dolly, percebeu alguma mudança de atitude nos professores de ciências?
Nelio Bizzo — Existe muita perplexidade em relação à velocidade da geração de conhecimento hoje em dia, agravada pela divulgação científica que procura se afastar da educação e se aproximar do sensacionalismo. A educação nunca foi movida pelas últimas notícias; é fácil perceber que os grandes avanços nunca foram reconhecidos em seu tempo. Galileu morreu proscrito. Darwin não é ensinado até hoje em muitos lugares, paradoxalmente em centros que têm tradição educacional antiga. No Brasil, um país sem tradição educacional e onde a alfabetização é fenômeno recente, tem-se muita avidez de grandes novidades em ciência e tecnologia. Muitas vezes estamos diante de uma bolha, como na fusão nuclear a frio, por exemplo.

Percebe que há ainda uma distância entre a realidade do cotidiano do aluno e a sala de aula?
Nelio Bizzo — Sim, sem dúvida, mas o fenômeno é complexo. Hoje os alunos de São Paulo são questionados sobre os “satélites de Saturno descobertos por Galileu” no SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) e ninguém percebe que se está diante de pura asneira. A Secretaria publica o teste, comenta a importância “formadora” da questão e ninguém se dá conta que Galileu não descobriu satélite nenhum em Saturno. Aliás, não viu nem os anéis de Saturno! Somos um país onde tudo é novidade.

O uso pedagógico do jornal poderia contribuir para uma aproximação entre a sala de aula e o cotidiano dos alunos?
Nelio Bizzo — É preciso cuidado. O jornal é “realidade”, é uma ligação com o mundo exterior. A discussão da realidade social pode ser dinamizada, sem dúvida, com o uso do jornal. Mas é preciso muita crítica. Aliás, acho que esse é o papel do jornal, por assim dizer, despertar a crítica. Ler dois jornais diferentes é muito educativo. A parte de ciência é problemática, apesar de grandes avanços que tivemos. O problema é de formação. Acho impossível que o jornalista divulgue o que não entende; por outro lado, acho pouco produtivo que o cientista use o jornal para falar de sua especialidade e se limite a mostrar o que o leitor não sabe – e continuará sem saber. Expor a ignorância do público não pode ser confundido com divulgação científica. Se você lê a parte de ciência de um jornal e não aprende algo, não está diante de divulgação científica digna do nome.

Que avaliação faz do ensino de ciências atualmente considerando os PCNs?
Nelio Bizzo — Os PCNs trouxeram uma extraordinária contribuição para os professores, que estavam limitados aos livros didáticos. Mostrou a importância de abordar questões mais amplas, relacionadas a outros temas, inclusive direitos humanos, ética, cidadania etc. Mas, por outro lado, os PCNs de ciências naturais permitem diversas leituras muitas delas incompatíveis entre si. Uma delas aponta para a relativização de conteúdos, vistos como meros pretextos para o ensino. A supressão do eixo temático Terra e Universo dos quatro primeiros anos do ensino fundamental é um desses exemplos. Trata-se, para dizer o mínimo, de um absurdo.

COMO CITAR ESTE CONTEÚDO:
MENEZES, E. T. O ensino de ciências e alguns problemas…. EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2001. Disponível em <https://educabrasil.com.br/o-ensino-de-ciencias-e-alguns-problemas/>. Acesso em 24 nov. 2024.

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