Renda e poder na assistência

A pobreza política pode ser agravada pela assistência, quando se ignora a educação com vistas a uma emancipação. Essa tese é defendida pelo professor Pedro Demo, titular do departamento de Serviço Social da UnB (Universidade de Brasília), no livro Educação pelo avesso: assistência como direito e como problema, editado pela Cortez.

Quando se tenta resolver o problema material, argumenta o autor, PhD em Sociologia, pode-se agravar a pobreza política. Ele entende que existe um pensamento com pouca ou nenhuma sensibilidade por esse tipo de pobreza, relacionada, de certa forma, ao marxismo que defende a base material como mais essencial que outras.

Pedro Demo atribui um certo valor à base material, por ter um caráter imediato, com risco de morte e sofrimento, mas essa característica não pode ser a mais importante. “Mais importante será aquilo que mais condiciona o todo, não apenas certas partes. Passar fome é grande miséria, mas miséria ainda mais comprometedora é não saber que a fome é imposta, inventada, cultivada e que aqueles que passam fome sustentam o esbanjamento dos ricos”, argumenta o pesquisador.

A assistência, quando restrita a uma simples “distribuição” de renda, não atinge, segundo Demo, a dinâmica central dos processos de concentração. “É mister chegar à redistribuição, significando inverter a ordem vigente, de modo favorável aos excluídos. Com isso, penetrou na política social a idéia decisiva de que não poderia apenas aliviar a miséria, redefinir os acessos e as oportunidades. Política social somente é social se for redistributiva de renda e poder, ou seja, emancipatória.”

Está presente no livro a idéia de que o sistema parece não temer o pobre com fome, mas sim o pobre que sabe pensar. A educação, nessa visão política, assume um papel fundamental quando articulada com a assistência, formando uma conexão a serviço da cidadania. Segundo Demo, trata-se da construção de um instrumento central para o combate à pobreza política.

O livro fala de dois tipos de assistência: uma é permanente, quando a pessoa não tem condições de se sustentar; outra é provisória, para as pessoas que sofrem uma vulnerabilidade intermitente ou ocasional. Neste último caso, o objetivo é recuperar as condições de autonomia e não de instituir uma situação de dependência.

Realizamos mal, segundo o autor, os dois tipos de assistência. Não assistimos bem os que precisam de modo permanente e, na maioria das vezes, transformamos facilmente situações provisórias em definitivas. Daí o olhar crítico do autor sobre a renda mínima e a cesta básica que podem ser decisivos na vida das pessoas, mas não geram emancipação. Segundo Demo, “quando renda mínima se torna política do sistema, já significa que foi aceita porque permite cultivar o problema. O sistema se beneficia da renda mínima muito mais que os pobres.”

Para que essa situação de dependência seja superada, Demo propõe uma mudança de postura mais consistente. “Este tipo de assistência só é coerente se souber extinguir-se intrinsecamente.” Diante da dissimulação do sistema, não podemos crer facilmente na resolução dos problemas sociais. Se o objetivo é a cidadania, a assistência não pode se limitar à sobrevivência em detrimento da emancipação.

Sobre o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o pesquisador diz que “é flagrante em demonstrar esta precariedade e contradição. Enquanto vende a imagem de lei pedagógica, no fundo é só assistencial, exatamente no sentido mais residual imaginável.”

Sobre as cadeias, tece comentários mais contundentes e perfeitamente compreensível para quem acompanha o noticiário: “é a escola do crime, pois confia em excesso na assistência, sem falar que estamos chamando de assistência o que nem sequer seria caricatura dela.” E completa: “garantir o direito de sobrevivência é fundamental, mas é só o primeiro passo. Ninguém quer apenas sobreviver.”

Na linha de raciocínio do autor, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) teria um componente mais estratégico. A lei da educação respeitaria a primeira infância como educação infantil que garanta condições mais favoráveis para o desenvolvimento do indivíduo. Seria uma preocupação preventiva.

O Bolsa-Escola, que combina educação e assistência, também é abordado no livro, que aponta alguns problemas a serem discutidos. Por exemplo, diz o autor, “as famílias acabam valorizando mais a assistência que a educação, pela razão corrente de que as premências materiais são percebidas como mais imediatas.”

Enfim, o livro questiona do começo ao fim a assistência como direito, como problema, suas limitações e alcances e as relações com a pobreza política, o Estado e a liberdade. E justamente por esse caráter questionador da obra a assistência assume uma importância fundamental, sufocando qualquer idéia de combate à assistência. Como diz Demo na sua conclusão: “Só o que é muito importante merece questionamento, não para liquidar com a importância, mas para estabelecer com a devida clareza e transparência seu devido lugar”.


Livro: Educação pelo avesso: assistência como direito e como problema
Autor(es): Pedro Demo
Editora: Cortez
Páginas: 120
COMO CITAR ESTE CONTEÚDO:
MENEZES, E. T. Renda e poder na assistência. EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2000. Disponível em <https://educabrasil.com.br/renda-e-poder-na-assistencia/>. Acesso em 24 dez. 2024.

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