Que o modelo de ensino atual é falido muita gente concorda. Mas o professor e pesquisador Gustavo Bernardo vai mais longe e o compara ao de um presídio. Para ele, a escola atua com o mesmo modelo da prisão que é o de vigiar e punir e uma das bases dessa estrutura precária é a avaliação mentirosa e contínua por meio de provas e testes. Educação pelo argumento é a solução proposta pelo autor para corrigir o sistema de ensino. Esse também é o título de seu livro, editado pela Rocco, onde desenvolve idéias para reformular a ação escolar.
“Suas idéias privilegiam a capacidade de pensar do ser humano”, alerta Patrícia Lins e Silva, diretora da Escola Parque, na apresentação do livro. A escola financiou a pesquisa e a redação que resultaram no livro, originadas numa consultoria solicitada junto à UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), onde o autor leciona. A UERJ também apoiou o livro através do Programa Prociência.
A obra de Bernardo apresenta uma proposta metodológica para as escolas: “articular o ensino das duas linguagens fundamentais – da Língua Materna e de Matemática – através da prática da argumentação”. Dessa forma, Bernardo acredita ser possível articular o ensino de todas as disciplinas. Ou seja, relacionar as disciplinas pelo que nelas já é comum: a redação e o raciocínio ou, mais especificamente, a argumentação. A obra também conta com a contribuição da pesquisadora Gisele de Carvalho.
O livro está dividido em duas partes. A primeira, que dá o título à obra, é “Educação pelo argumento”, em que o autor concentra a definição de conceitos e procedimentos para aplicação da prática argumentativa. “A ênfase no argumento chama a atenção para a necessidade do diálogo com o outro e, por via de conseqüência, para a necessidade do argumento que oriente, de maneira civilizada, todo diálogo, todo debate, toda discussão”, avalia. Nesse sentido, o trabalho proposto pelo autor se revela fruto de uma opção metodológica e epistemológica, cujo fundamento é ético. Uma vez que a escola trata de uma ciência factual, e não retórica, Bernardo exemplifica o caráter epistemológico de sua opção: a idéia de que especialmente nas ciências ditas exatas não haveria necessidade de argumentação. “Precisamos defender que o argumento e sua prática antecedem a qualquer cálculo ou fórmula”, explica.
São apresentados vários exemplos de textos e abordagens, ainda na primeira parte do livro, que explicam as premissas do argumento e propostas para se trabalhar determinado aspecto da teoria do argumento em cada série escolar. Assim, no ensino fundamental, a quinta série trabalharia com “a preparação do argumento”, a sexta série com “a formação da hipótese”, a sétima série com a “âncora do argumento” e a oitava série com o “argumento impertinente”. No ensino médio, “o esforço dialético” e a “rede de argumentos” seriam as atividades desenvolvidas para a primeira e segunda série, respectivamente. Essas etapas de aprendizagem da prática argumentativa eqüivalem aos capítulos seguintes.
A segunda parte do livro, chamada “Cola, sombra da escola”, submete a teste a primeira, fazendo uma proposta global de avaliação para a escola “centrada em textos argumentativos e que transforma a cola consentida em consulta necessária”. A idéia tem base no hábito da cola que, segundo Bernardo, faz parte da identidade da escola. “A cola é uma construção da escola – construção dos mestres e do discurso social e moral que os informa e lhes dá forma”, explica. Para desenvolver este assunto, o autor recorre à investigação do filósofo Michel Foucault sobre o “panopticon” de Jeremy Bentham, fundador do utilitarismo moderno. Dessa forma, haveria um modelo arquitetônico e disciplinar – do Panopticon – que permite comparar a instituição escolar ao presídio, cujos modelos seriam o mesmo: o de vigiar e punir. “É panóptico o tablado das salas de aula, que facilita a observação dos alunos; é panóptica a posição vertical do professor, em confronto com a turma sentada… assim como é panóptico aquele vidrinho na porta das salas de aula, assemelhando-se a aquários de controle… são panópticas as semanas bimestrais de provas, bem como panóptico será misturar turmas e séries para aumentar o controle e impedir a cola”.
Para desenvolver a idéia do panoptismo, Bernardo ainda recorre à República de Platão, pois considera a concepção de amor e poder desta obra como “a sombra de toda a história das panópticas instituições ocidentais, inclusive, e principalmente, da escola”. O “Provão”, criado pelo Ministério da Educação do Brasil, estaria, portanto, na contramão dos ideais da educação pelo argumento: “Gasta-se uma fortuna para saber o que já se sabe: os alunos que estudaram em faculdades devidamente autorizadas pelo poder público são informados, pelo mesmo poder público, que forma mal formados“. Essas reflexões servem de base para o autor defender uma proposta de avaliação simples, mas radical, que “mudaria pela raiz toda a prática de sala de aula”. De forma geral, Bernardo defende que nas provas o aluno tenha direito a fazer consultas e que justifique com os seus argumentos o que entendeu. “Em todos os exames, de todas as matérias, toda resposta do aluno deve ser justificada, não só com os cálculos, mas, principalmente, com uma explicação discursiva, redigida, extensiva, dos passos do seu raciocínio”, conclui.
Bernardo admite que, na prática, sua proposta representa mais trabalho para o professor na avaliação das provas, mas esclarece: “o professor deveria ter dedicação exclusiva à escola para poder orientar melhor o aluno”. Em resumo, Gustavo Bernardo defende uma educação verdadeiramente interdisciplinar e com todas as suas práticas centradas no desenvolvimento da argumentação. Só assim a escola deixaria de ser pautada pela desconfiança e pelo controle “ineficiente, perverso e burro”. Sua obra, como não poderia deixar de ser, reúne vários argumentos para formar essa escola.
Livro: Educação pelo argumento Autor(es): Gustavo Bernardo Editora: Rocco Páginas: 216 |