Venho recorrentemente apontando que a Secretaria de Estado da Educação não tem projeto para combater a violência, que corre solta na quase totalidade de nossas escolas. Critiquei a iniciativa da referida Secretaria de gastar em torno de R$ 15 milhões com a instalação de alarmes e câmeras de vídeo nas unidades da 5ª à 8ª séries do ensino fundamental e médio, como forma de combater a violência nas unidades de ensino.
Dizia que mais uma vez se atacava os efeitos sem cuidar das causas, e tal iniciativa era jogar fora o dinheiro do contribuinte, porque não fora precedida de debate com a comunidade e por não estar acompanhada de um projeto pedagógico. A instalação de câmeras e vídeos tem caráter exclusivamente repressor e punitivo, o que estimula ainda mais a revolta e a desconfiança dos alunos para com a direção e o próprio ambiente escolar.
Acreditava, quando levantei esta questão em agosto de 2001, que a Secretaria da Educação estava transformando nossas escolas em presídios e que para atingir esta finalidade só faltava erguer muros altos e colocar vigilância armada. Para minha surpresa, o Estado de São Paulo já tem sua escola-cadeia. Trata-se da Escola Estadual Paulo Sarasate, com 1.600 alunos, localizada na Cidade Tiradentes, zona leste da Capital.
Reproduzo manchete do jornal Agora S. Paulo sobre o assunto: “Aluno cercado de muros e grades batiza escola estadual de cadeião”. Na reportagem há passagens como esta: “O fato de se parecer com presídio, como pais e alunos definem, perpetuou o apelido, que foi ganhando força a cada metro de muro que a escola ganhava e a cada colocação de grades do lado de dentro e do lado de fora da escola.”
Diz que alguns alunos classificam os prédios da escola como pavilhões de presídios. “Se você for até o fundo vai ver o pavilhão 2. É grade em tudo quanto é lado. Nos sentimos mesmo numa prisão”, relata um estudante da 2ª série. Mais adiante, narra que pais de alunos reclamam da dificuldade de entrar na escola em qualquer situação. E que para terem acesso ao seu interior têm de pedir autorização a funcionários, que atendem atrás de uma janela de menos de um metro quadrado.
Após a autorização do funcionário é necessário ultrapassar cinco portões de ferro que vão do chão ao teto. Para ir ao banheiro, conforme os alunos, “é um sufoco”, porque eles têm que passar por alguns desses portões. Uma mãe, indignada, pergunta: “Se ocorrer um incêndio, como vai ser para tirar todas essas crianças de dentro da escola?”
Nem o trabalho de um estudante de 12 anos sensibilizou a diretoria a pensar por que a escola havia se transformado em cadeia. Para responder à pergunta “O que você pensa sobre a escola”, ele recortou a foto de um presídio e colou-a num cartaz. Resumiu desta forma a sua iniciativa: “Os alunos não têm liberdade lá. É muita grade, porta de ferro e muro alto”.
A diretoria não se sensibilizou porque falta à Secretaria da Educação uma política pedagógica que oriente as escolas a enfrentar o cotidiano da violência. Todos os estudos apontam que a violência nas escolas é praticada por quem se sente excluído desse espaço, o que faz com que a juventude e a comunidade do entorno olhem para ele como se fosse um local proibido.
Por entender que temos que conceber outro tipo de escola, participativa, que chame para dentro de seu espaço alunos, pais, mães e a comunidade próxima e que se criem atividades para a juventude, como cultura, lazer e esportes, é que apresentei projeto de lei na Assembléia Legislativa neste sentido. O projeto foi aprovado por unanimidade pelos deputados, mas teve partes importantes vetadas, após passar pelo crivo do governo, via parecer de burocratas da Secretaria da Educação.
O projeto de lei, que previa equipes multidisciplinares para desenvolver as atividades descritas acima, tornava a escola um lugar aberto, vivo, onde a comunidade passaria a zelar por ele como se fosse a extensão da sua própria casa. O projeto virou a lei n.º 10.312 e foi batizada, pela Secretaria, com o nome fantasia de “Parceiros do Futuro”. Hoje, o “Parceiros do Futuro” funciona precariamente em algumas poucas escolas da Região Metropolitana, que abrem suas portas aos fins de semana e, é claro, sem contar com as equipes multidisciplinares.
Por falta de um projeto pedagógico, cada diretor se vira como pode para contornar a violência em suas respectivas escolas. Alguns colocam os pés pelas mãos. Como é o caso da Paulo Sarasate. Espero que seja somente um caso isolado e que não vire modelo no Estado de São Paulo.
Ainda há tempo para salvar nossas escolas.
* Hamilton Pereira (PT) é deputado estadual e 1º secretário da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.