“A literatura sempre concorreu com outras formas de lazer.” A opinião é da professora Marisa Lajolo, titular do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos Literários da Unicamp, que concedeu uma breve entrevista, ressaltando o valor da literatura numa sociedade voltada para a produção e para o mercado.
Falou ainda sobre um curso pela internet que dirige, voltado para professores, intitulado “Brasil/Brasis: Literatura e Pluralidade Cultural”, promovido pelo Itaú Cultural, em parceira com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que aborda a pluralidade cultural de acordo com quatro tópicos: índio, migrante, mulher e negro, que são discutidos a partir de textos de Antonio Callado, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector e Carolina Maria de Jesus.
Mestre e doutora pela Universidade de São Paulo, Lajolo fez seu pós-doutorado na Brown University, nos Estados Unidos, e publicou, dentre outros, os livros A formação da leitura no Brasil, pela Ática, Monteiro Lobato, um brasileiro sob medida e Literatura: leitores e leitura, ambos pela Moderna.
Confira abaixo as opiniões da professora que, com respostas curtas e diretas, procura fugir de qualquer manual com fórmulas fáceis para orientar os educadores. Com bastante sutileza, deixa claro que o professor deve descobrir o que deu de errado na sua pedagogia.
Qual o objetivo do curso “Brasil/Brasis: Literatura e Pluralidade Cultural”?
Marisa Lajolo — O curso pretende sensibilizar seus alunos para trabalhar de forma crítica e criativa a pluralidade cultural que caracteriza o Brasil, aprendendo a “ler” em textos literários contemporâneos marcas desta pluralidade.
Por que o curso é voltado para professores com formação superior, de ensino fundamental, médio e superior?
Marisa Lajolo — A exigência de curso superior garante um mínimo de homogeneidade no nível intelectual dos alunos.
Quais habilidades o curso pretende desenvolver?
Marisa Lajolo — O curso pretende desenvolver nos alunos competência na leitura de textos de diferente natureza e competência tanto na proposta quanto na discussão de diferentes interpretações de leitura. O curso vai familiarizar o aluno com diferentes vertentes da cultura brasileira, habilitando-o a tratar a todas com respeito.
Na sua vivência como educadora, os professores estão carentes de um curso como esse?
Marisa Lajolo — Estão. Geralmente, os cursos – todos, de todos os níveis – têm pouco tempo para discutir a literatura brasileira contemporânea. A aposta do curso é que essa literatura pode, sem necessidade de muita mediação, falar aos brasileiros de hoje.
Com internet, jornal, televisão, revistas de comportamento, ainda há espaço para a literatura? Qual o seu principal concorrente?
Marisa Lajolo — A literatura sempre concorreu com outras formas de lazer. Hoje, televisão, internet e vídeo games vestem às vezes a roupa dos vilões da história. No fim do século XIX, por exemplo, alguns achavam que corridas de cavalo e banhos de mar afastavam os leitores dos livros. Mas a literatura vem sobrevivendo galhardamente a tudo isso, apesar do coro dos aflitos.
Qual literatura ainda é possível ensinar nas escolas?
Marisa Lajolo — A boa literatura.
Na sua opinião, qual a maior dificuldade que os educadores vêm enfrentando na sala de aula? Como estão enfrentando?
Marisa Lajolo — Desde sempre, a escola foi mais chata do que a vida real. A velha imagem do “Conto de escola” (Machado de Assis), de um menino dentro de uma classe olhando com olhar comprido um papagaio rabeando no céu, é uma boa metáfora. Cabe aos professores manter o menino na sala de aula: ao tempo de Machado, com a palmatória. Hoje, sem palmatória!
Que orientação daria aos professores que pedem a leitura de um livro e como resposta percebem que ninguém leu?
Marisa Lajolo — Que descubram o que foi que deu errado…
Vivemos uma sociedade muito voltada para a produção, para apresentar resultados, para que tudo tenha, de certa forma, um valor de mercado. Nesse contexto, qual o valor da literatura?
Marisa Lajolo — A literatura sempre foi e continua sendo uma poderosa linguagem que formata a fantasia e o imaginário das pessoas. Ela cria desejos e cria necessidades. Por isso ela é tão freqüentemente objeto de censura. Ela “faz a cabeça”. Além disso, o mercado editorial movimenta cifras bem altas. E hoje, um bom livro tem sua história “adaptada” para o cinema e/ou para a televisão, pretexta a produção de objetos com a marca das personagens ou do lugar. Ou seja, literatura tem valor de uso e valor de troca.