“No momento em que você começa a racionalizar o seu medo, começa a negar seus sonhos”. Essa idéia está presente no trabalho pedagógico freireano nas palavras de Ira Maciel, da Faculdade de Educação da UERJ, que abordou o medo e a esperança no I Seminário de Educação: Paulo Freire na Contemporaneidade, nos dias 4 e 5 de julho, na UERJ (São Gonçalo, RJ). A professora partiu das obras Medo e ousadia: o cotidiano do professor, de Paulo Freire e Ira Shor, e Pedagogia da esperança, de Paulo Freire, para desenvolver sua palestra sobre a formação de professores.
Partindo de uma pesquisa, em Pedagogia da esperança, com cerca de mil famílias acerca das relações entre pais e filhos e, em especial, o castigo, Maciel disse que Freire assustou-se com os resultados. Em função disso, o educador organizou discussões em torno da relação autoridade e liberdade; e descobriu que tanto a família quanto a escola encontravam-se subjugados a um contexto mais amplo da sociedade, reproduzindo a ideologia autoritária. Segundo Maciel, família e escola produziam e reproduziam, em alguma escala, a hierarquia opressores/oprimidos.
“Nessa ideologia autoritária estava semeado o medo”, revelou Maciel, explicando que o medo dos oprimidos, segundo Freire e outros pensadores, estava infiltrado de uma maneira intensa na personalidade, ultrapassando o consciente individual, permeando as relações intersubjetivas e produzindo o medo do poder humano. “Poder esse que é construído e fabricado pelo homem e que na maioria das vezes excede a capacidade humana de resistência”, ressaltou.
Paulo Freire percebeu que o medo do oprimido, como indivíduo e classe, tem uma base concreta e está inscrito nas práticas sociais que criam permanentes obstáculos, conflitos, dor e humilhação. “A partir dessa pesquisa ele (Freire) começa a trazer suas vivências e assumir um compromisso de expansão de liberdade”, disse Maciel, salientando as palavras do educador: “sentir medo é, em primeiro lugar, manifestação de vida e, por isso, não necessitamos negá-lo, nem desqualificá-lo”. Nesse sentido, segundo Maciel, o medo surge como conseqüência de homens e mulheres buscarem novas opções para a vida individual e social. Ela ainda completou: “Sabemos que novas aprendizagens sempre abrem medos novos e transformar é um ato de coragem”.
Daí a importância de se reconhecer os riscos inerentes ao processo de transformação. “É preciso ter consciência que transformar pode produzir danos e perdas, mas quais serão os maiores danos? Será que é perder o emprego? Será que é receber o terrível silêncio e indiferença dos que detêm o poder? Ou será perder a liberdade?”, questionou a professora, lembrando as palavras de Paulo Freire: “em vez de racionalizar o medo, vamos entendê-lo criticamente”. O medo, nesse contexto, segundo Maciel, passa a ser objeto de estudo capaz de iluminar tanto a história do indivíduo como a história social.
Finalizando sua palestra, Maciel enfatizou outra importância do medo. Para isso, fez Paulo Freire falar mais uma vez: “É preciso mantermos a esperança mesmo quando a aspereza da realidade sugira o contrário”. Partiu disso para mostrar o lado luminoso do medo: “O medo ajuda a reconhecer abismos, indica uma realidade interna e externa que pede transformação, sinaliza objetos de desejo, dá contornos do projeto, dá a marca do sonho”.