As escolas ainda relutam em introduzir assuntos referentes à Educação Sexual. Mas nossa realidade é marcada pelos temas da sexualidade, expostos em capas de revista nas bancas de jornais, nas danças dos programas de televisão, nas imagens comerciais em outdoors e na internet. A prostituição infantil constitui-se problema cada vez mais denunciado e a questão do aborto e da Aids também estão em pauta. Por que então o sexo ainda é tão pouco problematizado? Por que apenas recentemente o sexo tem sido apontado como uma questão pública fundamental? Essas são algumas das questões iniciais colocadas pela historiadora Margareth Rago no prefácio do livro Sexualidade(s) e Infância(s) – A sexualidade como um tema transversal, lançado pelas editoras Unicamp e Moderna. A obra faz parte da série “Educação em pauta – Temas Transversais”, coordenada por Ulisses F. Araújo, que tem como objetivo publicar trabalhos de pesquisadores que tenham contribuições teóricas e práticas para a organização da estrutura curricular do ensino. E que tenham como base os chamados Temas Transversais, estabelecidos pelos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais).
O livro é resultado do trabalho de Ana Maria Faccioli de Camargo e Cláudia Ribeiro no Grupo de Estudo Interdisciplinar em Sexualidade Humana (GEISH) da Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Através de reflexões e relatos de experiências, as autoras promovem uma discussão sobre a Educação Sexual nas escolas, sobre a convivência entre educadores e crianças e problematizam a relação entre sexualidade e infância. Para elas, trata-se de um tema ainda difícil de ser tratado, “carregado de preconceitos e tabus e, por isso mesmo, omitido ou tratado de maneira bastante inadequada na escola e na família”.
As questões que norteiam o trabalho das educadoras referem-se à prática educativa. Ou seja, como tem ocorrido a Educação Sexual e quais são os princípios que orientam uma proposta metodológica para ela. Nesse sentido, reúnem, no primeiro capítulo, idéias a respeito de sexualidades e infâncias, apontando a relação dos adultos com as crianças na vida cotidiana desde a Antiguidade, passando pelo Brasil colonial, pela Idade Média e pelas novas perspectivas com o desenvolvimento das ciências no século XIX. Contam também como teóricos da educação tomaram a sexualidade infantil como objeto de estudo.
Rousseau, por exemplo, aborda na obra Emílio ou Da educação a “idade de natureza” – de 2 a 12 anos “tratando da educação da sensibilidade, da moral, do intelecto, do corpo e do sensorial sem se referir, em nenhum momento, à sexualidade na infância”. Essa obra, onde o autor considera o ser humano intrinsecamente bom, sendo a sociedade responsável por distorcer e corromper sua natureza, contribui para o modelo ideal de “homem” apropriado pela sociedade burguesa, segundo os termos do naturalismo biológico. A partir daí, “a associação entre sexualidade, vergonha e embaraço se tornou predominante”.
Posteriormente, Freud foi quem mais contribuiu para colocar em pauta esta questão, na medida em que colocava com clareza a existência da sexualidade na criança, dando-lhe um caráter de normalidade. Depois, algumas áreas do conhecimento, tais como a psicologia, a biologia, a psicanálise e a pedagogia passaram a ocupar-se da sexualidade infantil. Finalmente, os estudos de Michel Foucault e a herança que todas as concepções deixaram para o mundo contemporâneo e, principalmente, para a prática pedagógica, são analisadas pelas autoras.
A seguir, Camargo e Ribeiro tratam, no segundo capítulo, dos desafios à Educação Sexual. Explicam porque a Educação Sexual na escola brasileira, principalmente nos níveis da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, tem sido bastante polêmica, dividindo seus críticos entre aqueles que consideram a abordagem das questões sexuais na escola como algo não-sadio, pois estimularia precocemente a sexualidade, e entre outros para quem a discussão orientada de temas relacionados à sexualidade “proporcionaria o conhecimento da importância da vida sexual bem mais cedo e com maior profundidade”. As autoras consideram ser inconcebível que o tema não seja tratado de forma sistemática, consciente e responsável na escola. Por isso, desenvolvem suas idéias sobre o trabalho com a Educação Sexual, destacando modelos existentes e as orientações do governo brasileiro através dos PCNs e seus Temas Transversais. Dessa forma, “a metodologia de trabalho para a Educação Sexual deve contemplar o ser humano como uma realidade única, singular, que articula construtivamente um organismo individual herdado, a inteligência interacionalmente construída e a estrutura do desejo, transversalizados em um corpo e em um contexto sociocultural”.
As autoras comentam ainda doze experiências de professores que atuaram com crianças e a Educação Sexual. Um relato mostra o trabalho de uma professora na Escola Municipal Barão de Guaxupé, em Minas Gerais, com alunos da 4a série. Ao ensinar Ciências, ela percebeu que, tratando do sistema reprodutor feminino e masculino, surgiram dúvidas e idéias cheias de preconceito. Apreensiva, decidiu recorrer a uma revista de educação e aplicou um trabalho proposto num dos artigos: utilizou uma caixa de sapatos para receber bilhetes anônimos com dúvidas sobre sexualidade. As perguntas, que deveriam seguir algumas regras, serviram de base para várias aulas, acabaram por esvaziar as dúvidas e ajudaram a mudar a atitude de muitos alunos frente ao assunto.
Livro: Sexualidade(s) e Infância(s) – A sexualidade como um tema transversal Autor(es): Ana Maria Faccioli de Camargo e Cláudia Ribeiro Editora: Moderna e Unicamp Páginas: 144 |