A política neoliberal, baseada no ideário da globalização, afirma o mercado como regulador das relações sociais e dilui a esfera pública, espaço por excelência de garantia dos direitos sociais e subjetivos. Dessa forma, transformam-se as noções de direitos sociais de saúde, educação, lazer e cultura. É nesse contexto que Vera Corrêa, doutora em Educação pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e professora adjunta da Faculdade de Educação da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), faz um convite no livro Globalização e neoliberalismo: o que isso tem a ver com você, professor? para a tomada de consciência de como a ideologia neoliberal molda as práticas educativas e afeta a vida real dos professores.
“Pela primeira vez em nossa história, no campo educativo, o ideário unilateral da pedagogia do capital e, portanto, do pensamento educativo empresarial, transformou-se em política oficial do Estado Brasileiro”, diz Gaudêncio Frigotto no prefácio do livro, explicando a tese da autora. Além de oferecer bases teóricas para a compreensão da ideologia neoliberal, Globalização e neoliberalismo “se constitui em instrumento que sinaliza possibilidades de construção de formas alternativas de relações sociais e de práticas educativas”. O livro faz parte da coleção “Educação e Sociedade”, da Quartet Editora, cuja proposta é disponibilizar aos profissionais da educação textos que se organizam em torno de temas centrais das discussões e trabalhos acadêmicos contemporâneos.
O livro se estrutura, portanto, num duplo movimento: o de esclarecer o momento atual com relação às políticas educacionais e o de apresentar trabalhos alternativos a este processo. Diante disso, Vera Corrêa procurou conhecer o significado e alcance do neoliberalismo para a educação pública, como ele estaria atingindo os professores e quais representações esse grupo social está construindo a respeito dessas mudanças. “A pesquisa teve como objetivo investigar as influências do neoliberalismo no senso comum dos professores da Escola Pública Municipal do Rio de Janeiro, como parte dos problemas que se colocam para a formação das suas consciências críticas e políticas”, explica a autora.
O livro é dividido em quatro capítulos articulados. O primeiro mostra a concepção teórica e os procedimentos metodológicos utilizados pela autora em sua pesquisa, considerando a caracterização dos grupos de professoras e seu universo local: a rede de ensino municipal do Rio de Janeiro que constitui-se a maior da América Latina, com 1.033 unidades, 670.000 alunos, 34.000 professores e 12.000 funcionários. No segundo capítulo, “A hegemonia do neoliberalismo: saturação ideológica das consciências”, Corrêa analisa os elementos básicos de compreensão da atualidade, baseada na forma violenta e excludente da globalização do capital e no papel da ideologia neoliberal na conformação de um senso comum e de uma postura fatalista.
A partir desse quadro, Corrêa trata das categorias de hegemonia, ideologia, senso comum e consciência, particularmente no significado que lhes foram atribuídos por Gramsci. Dessa forma, ela pretende dar subsídios para a compreensão dos elementos constitutivos do senso comum dos professores, principalmente “no que se refere à penetração do ideário neoliberal na sua visão de mundo, no seu pensar e no seu agir ou não agir”. No nível educacional, as reformas neoliberais estariam redefinindo a educação segundo a lógica neoliberal, em que transfere-se a educação da esfera dos direitos para a esfera privilegiada do mercado, “transformando-a de um direito social que o Estado-Nação deve garantir aos cidadãos, como consta na Constituição Federal, para um serviço, uma mercadoria que deve ser adquirida no livre mercado”. Corrêa aponta como fontes os documentos dirigidos à América Latina da CEPAL/UNESCO, de 1992, e da OERLAC/UNESCO, de 1990, que definem como o conjunto das nações deve se ajustar à globalização e ao neoliberalismo.
Nos terceiro e quarto capítulos, o leitor encontra interpretações sobre os diferentes olhares dos sujeitos da pesquisa. Ou seja, baseada em entrevistas individuais e reuniões em grupo com professoras, a autora analisa como a ideologia neoliberal afeta a escola pública, a vida profissional e pessoal dos professores e os indícios de resistência e de luta contra-hegemônica. O livro traz depoimentos dos educadores entrevistados, pautados nas seguintes questões: função social da escola pública, dever do Estado na educação pública, papel da sociedade e do professor nessa educação e transformações da vida pessoal e profissional do professor. Corrêa conclui que “as falas das professoras podem mostrar que estão influenciadas pela ideologia neoliberal, mas as suas ações são de resistência, o que torna ambíguas e contraditórias as suas narrativas”. Além de não demonstrarem saber o que o neoliberalismo representa, as professoras apresentaram como sua maior preocupação fazer um “bom trabalho”, apesar de afirmarem ainda não saber fazê-lo.
Nos diálogos com as professoras, a presença de ambigüidades nos discursos significa, para Corrêa, a existência de uma percepção de que está havendo uma mudança. Segundo algumas entrevistadas, por exemplo, essa mudança estaria promovendo uma competição desenfreada, que estimula o individualismo e que dificulta a emergência de práticas solidárias coletivas. “Elas demonstram sentir grande dificuldade de buscar outras saídas e, de certa maneira, acreditam que não há outra alternativa além das apontadas pelo governo”. Na prática, porém, Corrêa conclui que as professoras, ao seu modo, acabam por expressar uma resistência às propostas de renovação educativa ditada pelo “discurso único”. Nas conclusões finais, é enfatizada a importância de espaços de discussão como uma das formas de desenvolver um olhar mais crítico e político sobre o trabalho e a vida dos professores. Para ela, esse espaço pode ser, sem dúvida, a própria escola pública.
Livro: Globalização e neoliberalismo: o que isso tem a ver com você, professor? Autor(es): Vera Corrêa Editora: Quartet Páginas: 160 |