Docência na universidade: da história para a cultura

Ebenezer Takuno de Menezes é doutorando da Faculdade de Educação da USP e aluno da disciplina “O ensino superior no Brasil e a formação de professores para a escola básica”, ministrada pela professora dra. Núria Hanglei Cacete, do Programa de Pós-graduação em Educação da USP. Contato: ebemenezes@gmail.com

RESUMO: Este artigo observa algumas passagens da história do ensino superior no Brasil e identifica momentos relevantes para refletir a qualidade da atividade docente na universidade hoje. Entre leis, fatos históricos e propostas, apresentamos uma perspectiva cultural a partir da LDB de 1996 para apreciar os processos marcantes da regulação do ensino superior e sua diferenciação nas universidades públicas com forte dedicação à pesquisa como abertura cultural e autonomia intelectual.

Palavras-chave: docência, ensino superior, qualidade de ensino, pedagogia universitária.

Introdução

Olhar para a docência na universidade significa, em parte, uma leitura atenta de leis e muitos outros documentos que regulam a atividade do ensino superior no Brasil. O que está escrito não é a realidade, mas é a partir do poder constituído em um processo histórico que a legislação em contato com a sociedade nos diversos níveis de poder e de representação faz emergir o que existe dentro e fora da sala de aula com toda a sua complexidade. E no caso do ensino superior, além dessas forças que podem oscilar do legislativo ao cultural, temos a própria pesquisa universitária como fator relevante para compreender o trabalho docente.

O fenômeno da educação superior, por exemplo, é visto pelos pesquisadores SANTOS e SILVEIRA (2000)⁠ num estudo geográfico, privilegiando o território como “algo já preenchido por pessoas e objetos historicamente constituídos, cuja integração com a natureza, bruta ou trabalhada, constitui o quadro de vida a que ninguém escapa”. Temos uma demanda com uma lógica no tempo e no espaço para suprir necessidades de formação de pessoas desenvolvida por ausências ou presenças de atores dos diversos níveis do Estado, dos agentes confessionais, militares, particulares e de grupos comunitários. No Brasil, num primeiro momento, nos primeiros séculos de sua história, observamos fatores marcantes como a produção para a exportação e a vida urbana configurando a oferta de nível superior que vai do litoral para o interior com destaque para Medicina, Direito, Engenharia, Farmácia e Agronomia. Com 6.735 matrículas, vamos de 28 instituições em 1908 para 50, quatro anos depois, e para 248, em 1935, quando atingimos 34.174 matrículas (SANTOS; SILVEIRA, 2000, p. 19)⁠.

Brechas culturais na LDB

Na perspectiva da cultura digital, foco de nossa pesquisa em nível de doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, o território e seus habitantes dão pistas para encontrarmos brechas e outras aberturas no ensino superior para o mundo contemporâneo como forma de vislumbrar possibilidades de contato e inovação nas atividades docentes que tenham a influência externa da sociedade e das novas tecnologias.

Sabemos que o ensino superior, com seus professores e alunos, e com as diversas atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão, não está isolado, nunca, e também não se define como unidade. Sua constituição é complexa, de integração à realidade social, econômica, política e cultural. Na perspectiva científica da pesquisa, devemos questionar criticamente a integração, diferenciando a instituição universitária como espaço cultural que vai além da rota legal e racional de leis, normas e outros documentos.

Com esse objetivo de olhar para o ensino superior, analisamos brevemente a última LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), além de alguns textos relevantes para compreender certa genealogia da regulamentação do ensino superior (CACETE, 2014)⁠ numa perspectiva cultural de acordo com os interesses de nossa pesquisa.

No “Capítulo IV – Da Educação Superior” (BRASIL, 1996), em seu Art. 43º, temos vários termos e passagens mostrando brechas objetivas para a sociedade a partir da “finalidade” desse nível escolar: “criação cultural”; “desenvolvimento da sociedade brasileira”; “criação e difusão da cultura”; “desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive”; “divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade”; “aperfeiçoamento cultural”; “integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração”; “problemas do mundo presente”; “prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade” e “promover a extensão, aberta à participação da população”. No Parágrafo único do Art. 53º do mesmo capítulo, temos “autonomia didático-científica das universidades” permitindo a “criação, expansão, modificação e extinção de cursos”; “ampliação e diminuição de vagas”; “elaboração da programação dos cursos”; “programação das pesquisas e das atividades de extensão”; “contratação e dispensa de professores”; “planos de carreira docente”. No Parágrafo único do Art. 56º do mesmo capítulo, temos o “princípio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional”.

No “Capítulo VI – Dos Profissionais da Educação” (BRASIL, 1996), em seu Art. 61º, temos, numa visão ampliada, que a “formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: I – a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II – aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades.” Especificamente para o ensino superior, no Art. 66º, registramos que “A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.” E no Art. 67º, sobre a “valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I – ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III – piso salarial profissional; IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI – condições adequadas de trabalho.” E no Parágrafo único, temos que “A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino.”

Descentralização, ampliação e diversificação

Percebe-se, portanto, que a docência na universidade presente na LDB combina autonomia e certo controle, regulando e normalizando o ensino superior ao nível dos “profissionais da educação”. Diante disso, faz-se necessário olhar para a história desse nível de ensino para compreender esse cenário legal atual. O controle do Estado e a formação profissional marcam o modelo de ensino no século XIX. Entre 1808 e 1898, tivemos a combinação entre o pragmatismo de modernização da Universidade de Coimbra em Portugal do século XVIII com o modelo napoleônico de divórcio entre ensino e pesquisa científica (SAMPAIO, 1991)⁠. Com a proclamação da República (1889), temos a ampliação e a diversificação do sistema. A Constituição descentraliza o ensino superior, permitindo a criação de instituições privadas:

“A criação do sistema educacional paulista, por volta de 1880/1900, é parte central desse processo. Este sistema, cujo desenvolvimento está associado à modernização do Estado de São Paulo, representa a primeira grande ruptura com o modelo de escolas profissionais centralizadas e sujeitas a um forte controle burocrático do governo nacional. O sistema paulista surge em resposta aos novos arranjos econômicos e sociais, os quais, por sua vez, deram a base para a sua ampliação e diversificação” (SAMPAIO, 1991, p. 7).

Nesse cenário de ampliação e diversificação, integrando a Reforma Francisco Campos, o Governo Provisório, em 1931, promulga o Estatuto das Universidades para definir que o ensino superior teria duas modalidades: sistema universitário e instituto isolado. A administração central da universidade caberia ao conselho universitário e ao reitor escolhido por lista tríplice. Criou-se os projetos da USP, Universidade de São Paulo, e da Universidade do Brasil. O primeiro projeto teve bastante autonomia e fez parte da resistência da elite paulista ao governo central no Rio de Janeiro. Com limitações, tivemos inovações significativas pois saímos de um modelo centralizado para ganharmos autonomia (SAMPAIO, 1991).

A primeira etapa da licenciatura no Brasil, por exemplo, mostra certa preocupação do Ministro Francisco Campos em formar professores secundários. Não se conhecia até o decreto de 11 de abril de 1931 uma Faculdade de Educação, Ciências e Letras, que ficou definida como parte da Universidade do Rio de Janeiro e que poderia com exclusividade diplomar os licenciados para serem professores do ensino secundário. Além dessa função, deveria ir além do interesse profissional para abranger os valores universitários, semelhante às faculdades de filosofia, que seriam instituídas. (CASTRO, 1974, p. 629-637).

Os cursos e diplomas para a licenciatura surgiram com as primeiras Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras na década de 1930 e Castro (1974), ao examinar a evolução do conceito de “licenciatura” na legislação, considera as quatro primeiras décadas. Percebe-se mudanças graduais em função das transformações do sistema de ensino brasileiro, da política educacional e de outras necessidades. ⁠Como consequência da preocupação de formar docentes para a escola secundária, surgem em 1930 os primeiros cursos de formação de professores em instituições de nível superior no Brasil. Temos diferentes projetos de universidades: modelo federal, modelo da USP e o modelo da UDF, Universidade do Distrito Federal (CANDAU, 1987)⁠.

Da cultura livre e desinteressada à cultura pedagógica nacional

Com o Estatuto das Universidades, o primeiro efeito foi a reforma da Universidade do Rio de Janeiro que passa a se constituir como modelo para as universidades. Deveria incluir a faculdade de educação, ciências e letras para ampliar as ciências puras com investigações originais, além de desenvolver conhecimentos para o magistério. Em 1934, por decreto estadual, temos a criação da USP, Universidade de São Paulo, como um centro de renovação e formação das elites culturais e políticas. Além da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que seria o centro da USP com estudos de “cultura livre e desinteressada” como base para as escolas profissionais e que acabou ficando para segundo plano, incluiria também a Faculdade de Educação (incorporação da Escola de Professores do Instituto de Educação Caetano de Campos) para formar docentes para o ensino secundário. Em 1935 temos outro projeto de universidade para a formação do magistério além de servir como centro de documentação e pesquisa para uma “cultura pedagógica nacional”, mostrando-se mais ampla que os modelos federal e estadual (CANDAU, 1987, p. 11-14).

O Ministro Francisco Campos, ao organizar as universidades brasileiras, incorpora à Universidade do Rio de Janeiro a Faculdade de Educação, Ciências e Letras para exercer sua função de desenvolver a alta cultura e atender também aos interesses puramente profissionais, incluindo aí a formação de professores da escola secundária, como reconhecimento de uma prematura ciência pura. Eram funções idênticas às da Faculdade de Filosofia da USP, mas não obrigatória. Assim, o que temos mesmo são simples faculdades profissionais, embora haja o reconhecimento do mérito em ser a primeira tentativa de instituir um caráter universitário sem interesse profissional imediato e de introduzir os estudos pedagógicos para a formação de professores (SUCUPIRA, 1969, p. 261-262).

A ideia da faculdade de filosofia tem suas origens na faculdade de artes da universidade medieval, segundo Sucupira (1969). Seria um preparatório para as faculdades superiores e tem seus fundamentos no idealismo pós-kantiano e no néo-humanismo alemão que visavam o pleno desenvolvimento harmonioso da personalidade, mas que não teve seus objetivos realizados no Brasil. Abandonada a ideia de unificação das ciências básicas e das humanidades, sobressai a ideia de pesquisa científica e de ensino que norteará a criação de outras universidades (SUCUPIRA, 1969, p. 264).⁠

Se o papel das faculdades de filosofia foi questionável no interior da universidade, é porque a integração estrutural das ciências não se manteve e tendeu mais para a formação de profissionais liberais com menos indagação científica. Tivemos assim uma “especialização empobrecedora”, segundo Florestan Fernandes (SUCUPIRA, 1969, p. 269)⁠ com “fundamentos (…) ultrapassados”, segundo Sucupira (1969, p. 271).⁠ As faculdades de filosofia não realizaram o ideal da alta cultura e pesquisa científica nem prepararam professores que a escola média brasileira exige em função desse duplo objetivo (SUCUPIRA, 1969, p. 273)⁠.

A Reforma Francisco Campos, portanto, para o ensino superior significou “uma tentativa de dar organicidade e um caráter de universalidade ao incipiente ensino superior brasileiro” e que, mesmo diante do ineditismo da pesquisa pura e dos estudos pedagógicos, não se concretizou (CACETE, 2014, 10). Nesse contexto, o caminho foi o desdobramento da faculdade de filosofia em áreas de conhecimento básico, restando um departamento de educação. Segundo Sucupira (1969, p. 274-275), a solução viria, portanto, com a faculdade de educação para formar profissionais em educação. Primeiro porque o progresso científico viria com a prática da pesquisa; e segundo porque a educação é campo vital para merecer espaço dentro da universidade; e por fim, porque a criação dos Colleges de educação nos Estados Unidos constituiu como fator de desenvolvimento da pesquisa e da prática educativas. Busca-se assim uma nova perspectiva com a faculdade de educação para ampliar os quadros de formação de professores e especialistas na área.

Os ideais da Reforma Francisco Campos vão ocorrer em São Paulo com a criação da Universidade de São Paulo, em 1934, quando teremos condições necessárias para que se realizem de forma aproximada (CACETE, 2014, p. 1065)⁠. Fétizon, nesse sentido, aborda o problema educacional da formação de professores entendendo que ficou à margem desde a fundação em 1934, quando se acolheu o Instituto de Educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras sem quaisquer estudos pedagógicos:

“Atribuir-lhe o licenciamento para o exercício do magistério foi circunstância imprevista no modelo, que se aplicou de fora, sem tocá-lo em sua essência básica e mesmo em sua estrutura formal” (FÉTIZON, 1984, p. 129-130)⁠.

Naquela Faculdade não se previa a profissionalização de nenhuma espécie pois sua função era a de integrar as diversas escolas profissionais através de um cultivo de todos os ramos do saber com disciplinas de caráter não utilitário, incluindo pesquisas e altos estudos desinteressados, imperando o princípio da unidade básica do conhecimento que requer a “unificação da formação intelectual” (FÉTIZON, 1984, p. 131)⁠, e por isso a formação de professores se deu por meio de circunstancias puramente conjunturais em 1938. Assim, diante da massificação, com crescimento desmensurado interferindo na qualidade e baixo rendimento em número de conclusões, extingue-se a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e desmembra-se em grande número de Faculdades e Institutos como a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e a Faculdade de Educação que herdou a função integradora (FÉTIZON, 1984, p. 138)⁠ e constitui-se em três escolas: graduação, pós-graduação e escola de professores. Esta última recebendo alunos de toda a Universidade para o grau profissional de licenciado.

Formação humanista e de elite

Fétizon, nesse sentido, defende um modelo de elite numa Universidade de elite pois não se trata, pela sua análise, de um modelo de formação de professores em escala nacional quando apresenta subsídios para a proposta de um modelo de formação de professores secundários. Em qualquer sociedade:

“(…) tem que haver um grupo de ‘elite’ capaz de aproveitar as potencialidades dos setores que já se encontram nas etapas superiores e que (…) funcionarão como multiplicadores de sua própria ação, impulsionando o alargamento de sua área de influência para círculos cada vez maiores” (FÉTIZON, 1984, p. 183)⁠.

Para viabilizar tal proposta, Fétizon defende ações como a introdução de novas práticas e procedimentos no sistema escolar tentando reformá-lo didática e administrativamente como uma ação de curto prazo, além de justificar o modelo proposto com base numa ênfase à formação humana e humanista do professor. Em sua conclusão, temos que a crítica exaustiva de sua fundamentação teórica e de sua viabilidade nos diversos níveis é o que deve fazer qualquer avaliação a um modelo proposto.

Cultura técnica e organizacional

Com a reforma de 1968, muitas das novas ideias do movimento docente e estudantil são incorporadas com o projeto para a Universidade de Brasília, proposto por Darcy Ribeiro. Entretanto, a versão aprovada foi conservadora, sob um regime político extremamente autoritário que mantinha as universidades sob intensa vigilância e suspeita (SAMPAIO, 1991, p. 14-15)⁠. Vivemos, nessa época, segundo Sampaio (1991) um processo amplo de modernização que atinge a todos os países, com segmentos médios buscando melhores posições de emprego e com sistemas educacionais minimamente estruturados. O ensino superior ampliou primordialmente através do setor privado que responde pela maioria das matrículas e revela incapacidade do setor em atender a crescente demanda dos setores ascendentes. Também temos diferenças regionais com destaque para o Estado de São Paulo com um quinto de sua população e um terço das matrículas.

A LDB promulgada em 1961 é a segunda etapa da licenciatura no Brasil e marca modificações no conceito de licenciatura. Cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o primário e pré-primário seriam chamados de “ensino médio” em dois ciclos, ginasial e colegial. A formação de professores para o ensino médio seria feita nas faculdades de filosofia, ciências e letras. Mesmo assim, sabe-se que profissionais graduados em escolas superiores diferentes das de filosofia lecionavam, amparados pelos “exames de suficiência” e pelo artigo 118 que orienta o aproveitamento de profissionais liberais em cursos técnicos enquanto não houvesse número suficiente (CASTRO, 1974, p. 637-642).

A terceira etapa da licenciatura no Brasil teve como marco a lei 5540 de 28 de novembro de 1968 que fixou conteúdo e duração mínimos para os cursos superiores e, mais especificamente, às licenciaturas, longas e curta, que deveriam formar professores para as disciplinas gerais ou técnicas do ensino de 1º e 2º graus. A curta seriam para formar professores para áreas mais amplas e integradas de estudo com currículos mais genéricos e a longa para aproveitamento de estudos com o recebimento de licenciados de outras áreas. E assim um aluno pode passar de uma licenciatura curta para uma longa e de uma licenciatura qualquer para à de Pedagogia (CASTRO, 1974, p. 642-649).

Dada a nossa tradição de escolas profissionais isoladas, tivemos carência de modelos para as faculdades de filosofia, ciências e letras, dando espaço para missões estrangeiras e reações nacionalistas exaltadas e insensatas como ocorreram na USP que tinha à época apenas um brasileiro no corpo docente. Outro problema foi a falência das faculdades de filosofia com relação à função integradora e que acabaram confinando-se a uma função meramente técnica de formação de profissionais para o magistério secundário. A LDB de 1961 manteve a estrutura do ensino superior no Brasil e a expansão das faculdades de filosofia se acelera ainda mais, principalmente pela iniciativa privada. São fortemente contestadas e passam a ser substituídas por institutos centrais de ensino básico e os objetivos pedagógicos de professores ficam para a faculdade de educação que deveriam ter pesquisa científica no sentido amplo com bibliotecas e laboratórios (CANDAU, 1987, p. 14-17).

As políticas de ensino superior no Brasil se distanciaram de uma massificação nas universidades públicas para cumprir sua vocação para a pesquisa, conforme Reforma de 68 (extensa e profunda), e também buscou a expansão em regiões menos favoráveis ao financiamento privado. Diante do crescimento da demanda, tivemos um ajustamento entre o setor público e privado que caracterizou-se de grande expansão até meados da década de 1980: a partir de 1969, havia uma contradição básica com ideias de democratização da universidade diante de um modelo instituído por ato legal em todo o País; de 1920 até 1980, as universidades públicas predominaram; de 1946 a 1960, as iniciativas privadas foram confessionais católicas e presbiteriana; de 1961 a 1980, a maioria das universidades criadas foram laicas (SAMPAIO, 2000, p. 37)⁠.

Com os transportes e as telecomunicações temos mudanças materiais e sociais do território brasileiro, temos o ensino superior interiorizado para responder a novas demandas por qualificações técnicas e profissionais. De 1970 a 1980, tivemos um aumento de 223,71% na matrícula universitária com 1.377.286 matrículas universitárias, revelando a necessidade e o desejo de se apropriar de uma sofisticada cultura técnica e organizacional (SANTOS; SILVEIRA, 2000, p. 30).

Com a globalização, temos um novo contexto geográfico onde a ciência comanda o contexto atual, marcadamente vinculada à técnica e à informação. O espaço geográfico emergente é um meio técnico-científico-informacional onde o espaço total de um país equivale ao mercado. Se antes tudo girava em torno da produção e da mão-de-obra, agora tudo gira em torno da fluidez do espaço que por áreas de maior influência da informação e das finanças. Os fluxos multidirecionais com escala global mobilizam capitais e cumprem a equação entre capital e emprego em desfavor deste último (SANTOS; SILVEIRA, 2000, p. 32).

Temos com a globalização uma geografia do ensino superior marcada pelas regiões metropolitanas em que Estados com maior nível de renda relativa atingem as mais altas percentagens de população matriculada, como é o caso das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba. De uma época de saberes universais e práticos passamos a uma de saberes técnicos e científicos, revelando que a lógica do fenômeno educativo tem estreita relação com a do fenômeno territorial.

Diante do fenômeno educativo, vale questionar a expressão “universidade brasileira” porque ela carrega um desvio e ao eleger como objeto legítimo de uma discurso igualmente legítimo “deixa de enfocar a formação de um campo pedagógico marcado pela complexidade e diferenciação acadêmica entre as distintas instituições que o integram” (MARTINS, 1988, p. 12). Nessa passagem, Martins (1988) sintetiza as contradições de um discurso a partir do seu olhar sobre o “novo” ensino privado que, na verdade, trata-se de um campo complexo com instituições universitárias e novos estabelecimentos que estabelecem lutas e concorrência, mas também complementaridade. Com a derrubada do governo Goulart e as modificações ocorridas no campo político a partir de 1964, o projeto de construção de uma universidade crítica de si mesma e da sociedade sofreu grandes mudanças. A criação de um capitalismo “autônomo” e nacionalista de uma política populista cedeu espaço para um projeto de desenvolvimento “associado” e dependente dos centros hegemônicos do capitalismo internacional. Nesse contexto, despolitizar o campo acadêmico e neutralizar suas ações foi fundamental para o novo regime para integrar o campo educacional ao seu projeto de desenvolvimento.

O sistema educacional, na visão do novo regime, deveria preparar pessoal qualificado e com “espírito de disciplina” para atender as exigências de desenvolvimento do país. E para isso, vários órgãos estudantis, como a União Nacional dos Estudantes, foram desarticulados. Órgãos do governo, como o Ministério da Educação, passaram a realizar “debate objetivo” de “caráter técnico” (MARTINS, 1988. p. 17-18). Até mesmo professores e funcionários foram afetados com decretos como extensão do Ato Institucional nº 5 de dezembro de 1968, com a possibilidade de demissão dos “infratores” envolvidos em atividades políticas.

Além dessas ações, segundo Martins (1988), o regime autoritário também planejou a reestruturação do ensino universitário na lógica da política e da economia. Havia a necessidade de atender aos excedentes que passaram de cerca de 28 mil para 161 mil estudantes do início ao fim da década de 1960, além de diversas outras pressões de empresários. Nesse contexto, o Ministério da Educação e Cultura encomendou ao professor norte-americano Rudolph Atcon, em 1966, a realização de um estudo sobre o ensino superior que promoveu a lógica da “preparação de recursos humanos” para atender as atividades econômicas. Foi nesse contexto que o princípio da “expansão com contenção” ganhou espaço.

Comunidade acadêmica

Com base em estatísticas da década de 1990, observa-se diminuição do ritmo de crescimento das matrículas, embora haja aumento nas instituições privadas fora do Brasil. Diante do mercado pouco favorável, várias estratégias são adotadas. Temos federações de escolas ou incorporações de um ou mais estabelecimentos, e a partir da década de 1980 o movimento é de transformar escolas isoladas ou federações de escolas em universidades particulares.

Com a nova Constituição Federal de 1988 temos a autonomia das universidades tanto pública quanto privada, abrindo ao setor privado a possibilidade de se libertar do controle burocrático do Conselho Federal de Educação. E com a LDB de 1996, a autonomia atribui às universidades a competência de criar e extinguir cursos e remanejar o número de vagas de acordo com a demanda e as oscilações das matrículas e da evasão (SAMPAIO, 2000, p. 75).

Sampaio (2000), no capítulo 3 de seu livro, trata dos aspectos legais e políticos que envolvem Estado e o sistema de ensino superior no Brasil, ressaltando as principais mudanças com impacto na organização e funcionamento do setor privado. Percebe-se que há deslocamento de ênfase de papéis desempenhado pelo Estado em sua interação com o ensino superior e, em especial, com o setor privado. Nesse deslocamento, temos aumento do controle estatal sobre o sistema em seu conjunto e uma atuação de vigilância em relação aos estabelecimentos privados. Em paralelo, observa-se que há uma regulação do sistema através da comunidade acadêmica com o fortalecimento da participação de seus representantes nos órgãos deliberativos ou assessores. Além disso, nota-se também o fomento de mecanismos de regulação do próprio mercado mediante divulgação de informações sobre funcionamento e qualidade do ensino dos estabelecimentos de ensino superior (SAMPAIO, 2000, p. 115).

A capacidade de crescimento do ensino superior brasileiro deu mostras de recuperação no final dos anos 90 depois de longo período de estagnação graças à expansão do ensino médio e por pressão da clientela de adultos já integrados ao mercado de trabalho e que buscam melhorar suas chances profissionais com um título acadêmico. O segmento privado atendeu e patrocinou a expansão do ensino de graduação nas últimas décadas. O segmento público cresceu em ritmo mais lento, principalmente as federais, se compararmos às privadas, demonstrando certo esgotamento da capacidade de investimento dos governos federal e estadual. Nesse contexto de aumento de demanda, temos:

“O desenvolvimento científico, tecnológico e cultural do país não poderá ser realizado sem a participação das universidades públicas, uma vez que algumas delas concentram o essencial da prática acadêmica, respondendo pelo que há de mais preeminente na formação da graduação, na oferta da pós-graduação e no desenvolvimento da pesquisa, devendo, por isso, ser amparadas pelo poder público” (MARTINS, 2000, p. 57).

Com fortes traços elitistas, a educação superior brasileira que, inicialmente se identificava pelo reduzido número de instituições e de vagas, passou paulatinamente a contemplar novos mecanismos de discriminação e de distinção social: público/privado; universidade/instituição isolada; ensino de elite/ensino de massa; cursos dominados por camadas privilegiadas socialmente/cursos que absorvem um público socialmente heterogêneo; graduação/pós-graduação. Nesse novo cenário de expansão, segundo Martins (2000), há espaço para reivindicações e negociações de ordem estritamente acadêmica. Deve-se também combinar o aumento da capacidade de atendimento do sistema à maior qualificação acadêmica seja pelas demandas do mercado, pelo surgimento de inúmeras novas universidades ou pela competição pela qualidade entre as diferentes instituições. Muito além dos meros objetivos de certificação, a busca pela melhoria acadêmica espera-se que não seja apenas formal. E para isso “é necessário um corpo docente efetivamente mais qualificado e recursos materiais suficientes, colocando em funcionamento propostas acadêmicas consistentes” (MARTINS, 2000, p. 58).

Conclusão

A “finalidade” com brechas objetivas do “Capítulo IV” da LDB (BRASIL, 1996) atribui à educação superior diversas ações como “criação”, “desenvolvimento”, “divulgação”, “aperfeiçoamento”, integração e promoção que devem agir sobre a cultura, a ciência e a técnica tanto sobre o homem como no meio em que vive. O essencial dessas ações é que são direcionadas para os conhecimentos culturais, científicos e técnicos como patrimônio da humanidade, conferindo à educação o estatuto de um bem para “cada geração” e não como serviço ou geração de recursos humanos como pretendiam outras políticas. E para que tudo isso seja possível, garante-se a “autonomia didático-científica das universidades” que, na verdade, define mais a gestão, para cursos, vagas, recursos humanos e atividades, e menos uma liberdade “didático-científica” específica que pudesse efetivamente garantir um exercício docente distante de qualquer heteronomia. Ao registrar o “princípio da gestão democrática” com os órgãos colegiados deliberativos, temos de fato uma possibilidade de garantia de autonomia regida pela comunidade institucional, local e regional, extrapolando para uma cultura universitária, mas ainda fora da sala de aula e sem incluir o setor privado.

Dentre os fundamentos de formação e as diversas orientações de preparação e valorização da carreira docente do “Capítulo VI – Dos Profissionais da Educação” (BRASIL, 1996), destaca-se a associação entre teoria e prática num contexto legal de abertura para a “capacitação em serviço” e “aproveitamento da formação e experiências anteriores” inclusive em “outras atividades”. No plano da preparação, ao afirmar que “far-se-á em nível de pós-graduação”, infere-se que a abertura para a sociedade e sua cultura se dá pelo mestrado e doutorado, “prioritariamente”, associando ensino e pesquisa. Para a valorização dos docentes, destacamos a restrição ao magistério público, excluindo ou isentando de certa forma o setor privado e confessional. Destaca-se também o “ingresso exclusivamente por concurso público”, o “aperfeiçoamento profissional continuado”, a “progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho”, o “período reservado a estudos, planejamento e avaliação” e as “condições adequadas de trabalho” como canais de abertura entre a formação docente, a sociedade e toda a sua diversidade cultural.

O desafio central da sociedade diante da LDB parece ser o de formular uma política direcionada para todo o sistema de ensino superior brasileiro e não apenas para uma parte. A LDB, nos dois capítulos analisados, apoia-se em brechas e aberturas culturais, técnicas e científicas que, ao definir a preparação em “nível de pós-graduação” para a docência confere à pesquisa abertura fundamental para a inovação da universidade, produzindo assim uma renovação autônoma, autêntica e responsável. Entretanto, é importante que a LDB valha não apenas para a universidade pública, gratuita e de qualidade, mas também para os diversos modelos de ensino superior do setor privado que na sua história de consolidação e expansão esteve mais voltado para o mercado e suas demandas. Para isso, são necessárias ações para um conjunto de instituições visando qualificar o sistema de forma orgânica.⁠ Preconizamos, assim, a necessidade de se pensar numa cultura do ensino superior capaz de expandir alguns parâmetros de qualidade da universidade, com sua cultura de pesquisa, para um sistema que por influência dos representantes do setor privado muitas vezes estão mais voltados para a profissionalização.

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SUCUPIRA, N. Da faculdade de filosofia à faculdade de educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 51, n. 114, p. 261–276, abr./jun., 1969.

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MENEZES, E. T. Docência na universidade: da história para a cultura. EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2015. Disponível em <https://educabrasil.com.br/docencia-na-universidade-da-historia-para-a-cultura/>. Acesso em 03 dez. 2024.

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