Educação após Nova York

Vicente Martins*

Este artigo busca analisar os motivos que aproximam o terrorismo político e o terrorismo pedagógico, sustentando a tese de que, assim como o fenômeno Auschwitz, onde pelo menos 2,5 milhões de pessoas foram duramente massacradas, e que levou a Alemanha a rever seu sistema educacional no pós-Guerra, o fenômeno em Nova York deverá levar, também, as autoridades norte-americanas a repensarem sua educação política após a destruição do World Trade Center e parte do Pentágono.

A tragédia, no centro do mundo, merece um demorado olhar dos educadores e de todos que operam com a alma coletiva. Também se faz imperativa uma compreensão do fenômeno do terrorismo político e de suas manifestações desagregadoras como resultantes de um longo processo de formação de atitudes no meio escolar.

No caso dos Estados Unidos, o terrorismo está há muito presente no cotidiano norte-americano. Vez por outra, vemos, na mídia, o que tem acontecido com as high schools (escolas de ensino médio). As high schools americanas são as principais responsáveis pelo ambiente feroz na escola e pelo clima tenso e beligerante sobre as minorias dentro e fora dos Estados Unidos. São esses modelos de instituições de ensino que forçam seus alunos a se agruparem de acordo com o prestígio e seus talentos. Quem não segue as regras e os ritmos dessas ´´escolas nobres´´ são considerados perdedores.

Quando os jornais do mundo estampam em suas manchetes que Bush promete vingança e que os Estados Unidos vão entrar numa monumental luta do bem contra o mal, esse clima de resposta automática não é obra de ocasião, mas vem do aprendizado da beligerância adquirido no meio escolar.

Não há como separar terrorismo político do terrorismo pedagógico, presente nas instituições de ensino, de modo a exigir, de todos nós, uma discussão e uma reflexão a fundo sobre o papel social da escola na formação de valores de crianças e adolescentes, que vai muito além da preocupação de professores, alunos e pais com os altos escores alcançados nos vestibulares. Ainda que a primazia nas provas seja a cobrança do aprendizado dos conhecimentos formais, a tolerância recíproca, o respeito às diferenças, enfim, o desenvolvimento humano deve ser o principal objetivo da educação pós-moderna.

O primeiro sinal do terrorismo pedagógico, que nasce na escola e que pode chegar ao centro do mundo, através do terrorismo político, está na prática dos docentes. A realidade no meio escolar indica que muitos professores são mais instrutores e menos educadores e o mais grave: muitos são maus professores, capazes de cometer muitas atrocidades contra seus próprios alunos. Em Auschwitz, nos relata Adorno, em seu Educação e emancipação, muitos professores judeus, vítimas do genocídio, reconheciam durante execuções, seus ex-alunos entre os soldados mais ferozes.

O terrorismo psicológico, envolvendo agora toda a civilização moderna, não é diferente do terrorismo político. O terrorismo psicológico, bem exemplificado na ameaça de vingança de Bush, é sinal de intransigência de atitudes de quem patrocina a barbárie ou de quem a sofre na pele.

Quando as pessoas, sejam políticos ou professores, embargam a voz, algumas vezes pode não significar emoção, mas prenúncio de repressão que logo se lançará, como flecha, num alvo certo: os seres humanos. Todos os dias, nas escolas do mundo inteiro, são destruídos Worlds Trades Centers e Pentágonos no coração e na alma das crianças, adolescentes e adultos.

* Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), de Sobral (Ceará, Brasil). E-mail: vicente.martins@uol.com.br

COMO CITAR ESTE CONTEÚDO:
. Educação após Nova York. EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2001. Disponível em <https://educabrasil.com.br/educacao-apos-nova-york/>. Acesso em 27 jul. 2024.

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