Educação e cultura visual

A arte pode atuar como mediadora para enfrentar muitos problemas da atualidade, principalmente os de interesse dos educadores. Ela não é uma disciplina marginal, muito menos uma matéria específica de um campo do conhecimento. A cultura visual pode contribuir para a compreensão do ser humano e das transformações do mundo. Pode inclusive emancipar o homem, desde a infância até a vida universitária. Essas são algumas das idéias defendidas pelo professor Fernando Hernández, titular da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona, na Espanha, que mantém uma relação acadêmica com educadores brasileiros desde 1993.

Em seu recente livro, Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho, editado pela Artmed, Hernández fala sobre o ensino da arte. O texto, que teve sua primeira edição em 1997, com o título Educación y cultura visual, foi revisado com o objetivo de aproximar-se da realidade do Brasil, estabelecendo alguns elos com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a bibliografia brasileira, além de introduzir algumas questões que foram contempladas de modo diferente na primeira versão de seu trabalho.

Sobre a cultura visual e a educação, Hernández discute as concepções práticas dos docentes, analisa o porquê da arte ser considerada uma disciplina sem importância e revela alguns caminhos para estimular a paixão dos alunos pelo aprender. Em muitos momentos do texto, o autor mostra o valor da compreensão no ensino e como é possível favorecê-la.

Longe de oferecer soluções acabadas, o professor questiona, reflete e duvida de importantes conceitos e idéias no campo da educação escolar, que precisa ser repensada, já que a escola atual, diz ele, responde em boa parte a problemas e necessidades do século XIX. “Falar da compreensão da cultura visual torna-se ridículo num momento em que o que parece contar são as guerras políticas e econômicas do mundo das comunicações, quando se trata de determinar quem vai controlar e colocar a seu serviço os benefícios do mercado da globalização na qual seus interesses irão circular por todo o planeta sem travas nem concorrência”, constata Hernández.

Entretanto, olhando a realidade numa perspectiva diferente, o autor especifica outra dimensão. “A cultura visual não se torna um tema banal se prestarmos atenção às mudanças operadas na gestão dos museus, que atuam cada vez mais como espaços de consumo e, portanto, de produção de valores e produtos culturais (e de mercadotecnia) diversificados em função dos diferentes tipos de públicos potenciais”. Para reforçar a proposta do livro, Hernández argumenta: “Não estamos diante de uma disciplina marginal se olharmos as páginas econômicas dos jornais, onde se oferecem conselhos para investir no mercado da arte ou se estuda os resultados econômicos da indústria do desenho, da publicidade e do lazer audiovisual.”

Nessa linha de raciocínio, o autor tece algumas críticas aos planejadores da educação e à visão distorcida sobre o aprendiz. Segundo ele, esses profissionais são incapazes de conceber os alunos fora do quadro — “consumidores de imagens que devam aprender a decompor em elementos de linguagem ou de produtores artesanais de algumas imagens que hoje podem ser elaboradas com maior diversidade e qualidade a partir das possibilidades oferecidas pelos novos suportes tecnológicos”.

A crítica de Hernández também enfoca os modelos curriculares que tendem a olhar para trás ao reivindicar a aprendizagem de conteúdos conceituais próprios dos movimentos educativos dos anos 60, fazendo uma referência a Eisner (Educando la visión artistica, editado pela Paidós, em 1995) e Gardner (Educación artística y desarrollo humano, Paidós, em 1994), influenciados pela psicologia cognitiva do processamento da informação.

Para o autor, tal posição permite uma situação muito comum nas escolas médias espanholas, em que os alunos estudam “diferentes tipos de linhas e texturas como aprendizagens prioritárias para responder e interpretar a atual cultura da imagem”. E continua Hernández: “Essa opção curricular, além de uma enorme falta de respeito intelectual aos adolescentes, ainda que, em princípio, apresente o valor de superar a fase anterior, a meio caminho entre o expressionismo e o desenho geométrico, caracteriza-se por não olhar para o presente e virar a cabeça para outro lado, não levando em conta a realidade polimórfica, especular e virtual em que agora vivemos”.

Em função dessas considerações, o livro procura recuperar o sentido na educação. Como diz o próprio autor, é uma tentativa de “restabelecer o significado do saber escolar, baseado em algumas disciplinas concebidas como compartimentos estanques em torno das quais se apresenta uma distribuição dos conteúdos, num marco rígido de espaço e de tempo.”

Depois de situar o sentido e a finalidade de seu trabalho no primeiro capítulo, Hernández, no segundo, fundamenta sua proposta a partir de dois eixos que definem “o visual”. De um lado como mediador de significados e de outro o papel da interpretação desse visual que favorece o desenvolvimento do conhecimento.

“Partindo de uma perspectiva psicológica, ou psicopedagógica, a aprendizagem no campo do conhecimento artístico exige um pensamento de ordem superior (a referência é a Vygotsky, em seu livro El Desarrollo de los Procesos Psicológicos Superiores, editado pela Crítica, de Madrid, em 1979) e a utilização de estratégias intelectuais como a análise, a inferência, o planejamento e a resolução de problemas ou formas de compreensão e interpretação etc.”, explica o autor, ressaltando ainda que a atividade vinculada ao conhecimento artístico estimula, além da habilidade manual, os sentidos, a mente, a identidade em relação às capacidades de discernir, valorizar, interpretar, compreender, representar e imaginar.

O terceiro e quarto capítulos abordam a educação artística na Espanha. O objetivo é contextualizar historicamente as mudanças e estruturas de racionalidade que a guiaram na reforma curricular de 1990. Apesar do enfoque naquele país, Hernández faz alguns paralelos com a experiência brasileira no ensino de arte. Isso foi possível, segundo o autor, graças a duas fontes, que permitiram situar, dialogar e compreender a trajetória da educação artística no Brasil: o trabalho de Ana Mae Barbosa (1987) e Lucimar Bello (1998).

A fim de dialogar com as mudanças que ocorreram neste final de século, o livro também discute o conhecimento artístico, seu papel na educação, para permitir uma maior compreensão e as perspectivas para a arte no ensino. Analisa ainda um tema considerado muito difuso pelo autor: a avaliação. A proposta de seu texto é fazer uma revisão e apresentação de várias perspectivas para poder interpretar o que o aluno aprende nesse campo.

No último capítulo do livro, o leitor poderá encontrar propostas práticas para a sala de aula sobre a compreensão da cultura visual. Hernández mostra três exemplos com base nas discussões do livro. Nesse sentido, o autor parte de uma reflexão sobre a dificuldade de compartilhar e publicar experiências educativas. “Se o leitor encontrar alguma utilidade ou inspiração nesses exemplos, deverá traçar seu próprio trajeto e fazer sua adaptação. Mas essa certeza não elimina as dúvidas, e explicitá-las não é um fato gratuito, pois permite uma reflexão sobre o papel que podem ocupar os exemplos e os materiais curriculares dos quais nos utilizamos nos livros-texto ou em outros meios de ensino”, orienta.


Livro: Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho
Autor(es): Fernando Hernández. Tradução de Jussara Haubert Rodrigues e consultoria de Mirian Celeste Martins
Editora: Artmed
Páginas: 261
COMO CITAR ESTE CONTEÚDO:
SANTOS, T. H. Educação e cultura visual. EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2000. Disponível em <https://educabrasil.com.br/educacao-e-cultura-visual/>. Acesso em 27 jul. 2024.

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