“Aquilo do qual as crianças precisam não é de resignação, mas de paixão. Elas sonham com um mundo onde os atores possam falar em nome próprio escapando da obrigação de parecerem conformes”. Essa reflexão é de Maud Mannonni, estudiosa que inaugurou, na década de 70, uma perspectiva de trabalho que indaga sobre as possibilidades da educação e coloca em questão a própria legalidade do ideário pedagógico, no contexto do qual pensa e atualiza-se uma pretensão educativa.
Esse estudo deu margem às investigações do psicanalista Leandro de Lajonquière, doutor em educação e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, e o resultado de seu trabalho está no livro Infância e ilusão (psico)pedagógica – escritos de psicanálise e educação. Lajonquière examina algo que chamou sua atenção nos últimos tempos: uma lamentação de que a dita prática pedagógica revela-se não ser suficientemente eficaz.
Numa série de ensaios, o autor tenta analisar como se dá esse pensamento, uma ilusão psicopedagógica, e como ela sustenta a recusa educativa, passando pelos chamados fracasso escolar e distúrbios de aprendizagem. Nesse sentido, ele trilha o caminho pioneiro de Mannonni, questionando o próprio ideário pedagógico, no interior da conexão psicanálise-educação. Lajonquière deixa claro que a psicanálise não pode e não deve propor fins e meios educativos, mas nos dizer sobre aquilo que não deve ser feito em matéria educativa.
Infância e ilusão (psico)pedagógica parte da afirmação “a educação é impossível!”, que traz à lembrança um famoso comentário de Freud sobre a impossibilidade própria das artes de governar, curar e educar. A questão é que hoje esta frase tem sido muito repetida, ao invés de causar perplexidade. Isto é, repete-se muito esta frase sem que as pessoas pensem sobre o que ela realmente significa e o que Freud quis dizer com ela. “Há um processo de psicologização da reflexão pedagógica moderna”, escreve Lajonquière, justificando o porquê da frase ser conhecida no campo educativo. Daí a existência de uma certa paranóia por encontrar justificativas psicológicas para detalhes do dia-a-dia escolar. “Dessa forma, a pretensão – principalmente de alguns orientadores pedagógicos – de vir a saber sobre a singularidade subjetiva do agir de um aluno está fadada ao fracasso e acaba contribuindo para a psicologização do cotidiano escolar”, explica.
O autor conclui que, se a educação é hoje um fenômeno de difícil acontecimento, isso se deve a esse “império do ideário (psico)pedagógico contemporâneo”. E explica: “A impossibilidade para qual Freud nos alertou implica em estarmos certos de antemão de que os resultados serão satisfatórios ou, em outras palavras, que o ponto de chegada não reitera o de partida”. Assim, a educação teria sempre carregado uma certa impossibilidade, só que atualmente essa impossibilidade, ao contrário de permitir-nos fazer com ela coisas interessantes, atenta em princípio contra a própria educação.
Obcecado, então, pelos problemas de aprendizagem, o discurso psicopedagógico envolve uma ilusão. “A impossibilidade de não se obter o que se pretende e, ao contrário, ganhar uma série de genéricas justificativas psicológicas que não explicam de fato o porque de Pedro e não de Maria não dependem da (im)potência profissional do avaliador. A nosso ver, o problema está na natureza do pedido, isto é, na pretensão de obter um saber sobre a singularidade de um episódio subjetivo”, escreve o autor.
Essas ilusões psicopedagógicas que tomam conta do campo educativo atual mascaram a impossibilidade de uma relação entre adultos e crianças, empurrando pais ou pedagogos a renunciar à educação. Renúncia que é um gesto sintomático da cultura contemporânea e cujo tamanho, segundo Lajonquière, determina a magnitude dos impasses educativos. Nesse contexto, diante da idéia do fracasso escolar, e do cotidiano escolar psicologizado, o campo educativo é ocupado cada vez mais por especialistas que avaliam e justificam os insucessos educativos, roubando o papel do educador.
Finalmente, o tamanho do fracasso escolar que assola um país seria diretamente proporcional à degradação de suas leis, ou seja, ao tamanho de sua renúncia à educação. “Renunciarmos à educação é, simplesmente, apostar no apartheid político, econômico e cultural. Em outros palavras, é não cumprirmos com o dever de efetivarmos a República, isto é, de passarmos a limpo nosso passado escravocrata”, escreve o autor. No entanto, para Lajonquière, trata-se de algo reversível.
Entrevista com Leandro de Lajonquière
Livro: Infância e ilusão (psico)pedagógica – escritos de psicanálise e educação Autor(es): Leandro de Lajonquière Editora: Vozes Páginas: 204 |