Os limites do mundo virtual

Numa palestra do 8° Seminário Educação e Sociedade, realizado pelo Grupo de Escolas nos dias 31 de agosto e 1° de setembro, no International Trade Mart, em São Paulo, o filósofo Alípio Casali abordou, junto com o físico Fernando Moraes Fonseca, o tema “Presencialidade e virtualidade na educação”. Casali é professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e autor de Elite intelectual e restauração da igreja, pela Vozes, e Empregabilidade e educação, pela Educ, além de vários artigos. Iniciou sua fala lembrando do medo de que a escola acabaria e o deslumbramento da década de 1960 com relação ao avanço das tecnologias. Para tanto, fez referências às utopias negativas e a obras como Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell. Ele entende que o medo diminuiu desde aquela época, mas um deslumbramento foi construído, o que permitiu criar uma grande ilusão.

Interessado em saber como se colocar, na posição de educador, diante dos avanços tecnológicos, trouxe algumas questões para reflexão dos participantes: “O que é aprender e educar? De que modo isso acontece?” Para responder, recorreu à antropologia cultural e aos estudos de neurociência. Da antropologia cultural, citou uma tese de que a cultura se constrói dentro de um universo de significações na suposição de que são reais. Da neurociência, disse que não se fala em aprendizagem atualmente sem relacioná-la a processos emocionais e afetivos, que fixam a memória, com a secreção de certas substâncias em determinadas situações. Como exemplo, informou que o rato organiza o mundo pelo olfato, seu sentido predominante. Citou ainda que o morcego é auditivo e a cobra é palatal; e o ser humano seria um animal-visual-verbal. “O nosso modo de ser é social e de convivência”, salientou, afirmando que nessa condição aprendemos, fixamos memórias e criamos identidades.

Diante dessa constatação, como o mundo virtual se comporta? Para responder, Casali fez antes um alerta: “Não podemos omitir o fato de que o enraizamento de boa parte das elaborações virtuais está ancorado predominantemente nos interesses de mercado e não nos interesses propriamente de comunicação para oferecer mecanismos mais adequados à condição de convivência humana”. Essa crítica não significa, no entanto, ignorar todos os ganhos conquistados com o avanço tecnológico. “Só não pode ser esquecido, pois o virtual pode levar à ilusão”, esclareceu. Voltando à questão de como o mundo virtual se comporta, respondeu dizendo que a “cultura das virtualidades incorporou razoavelmente os requisitos fundamentais da aprendizagem”. Ele entende que podemos encontrar, nesses espaços virtuais, situações possíveis de relação emocional, afetiva e interativa, ainda que na ausência do outro.

Em função dessas características, Casali afirmou que a virtualidade permite a aprendizagem. Porém, propôs uma reflexão mais conseqüente: “As representações cotidianas e sociais, mesmo quando produzidas do modo mais espontâneo, não deixam de ser constituídas por uma linguagem que se caracteriza pela simplificação”. Casali compreende que a construção simbólica é formada por um complexo denso de significados mediante o uso de uma linguagem inevitavelmente “caricatural”. Por mais complexa que seja, segundo Casali, a representação nunca consegue repetir ou reproduzir, na integridade, a densidade, a complexidade e a sutileza das relações reais. Diante dessa visão, ele frisou que “a educação deve produzir, reproduzir e recriar o humano”. A conseqüência disso seria considerar o homem na sua realidade plena, com todas as suas densidades e sutilezas efetivas. Segundo Casali, há esforços para que o mundo das virtualidades realize isso. Porém, alerta dizendo que é preciso considerá-la como uma tarefa, no limite, impossível.

“Faz diferença estar diante de uma pessoa, como educador ou educando, diante de uma imprevisível liberdade, exercendo o jogo de liberdade, reciprocamente, com absoluta impossibilidade de manejar completamente a liberdade do outro, tanto de um lado quanto do outro”, salientou Casali, formulando outra tese: “o enfrentamento desta liberdade imprevisível, inalcançável e incontrolável é que faz o jogo da educação.” Assim, o jogo de liberdade pode ser representado apenas parcialmente no virtual. “O mundo das virtualidades requer uma presencialidade como ancoragem, não para travá-lo, mas para configurar uma referência; âncora, mas também remos e velas que permitam deslocamentos, distanciamentos, aventuras, ganhos, descobertas de outros espaços; porque âncora a gente levanta, navega, desloca e coloca de novo”. Ele ressaltou ainda a importância dos deslocamentos sem perder a ancoragem, não só dos afetos e emoções, mas principalmente daquilo que é essencial no processo educativo: “a relação interpessoal enquanto jogo de liberdade”.

COMO CITAR ESTE CONTEÚDO:
MENEZES, E. T; SANTOS, T. H. Verbete Os limites do mundo virtual. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2001. Disponível em <https://educabrasil.com.br/os-limites-do-mundo-virtual/>. Acesso em 11 out. 2024.

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