Compreender os processos vivenciados por três educadoras, que atuam em uma creche comunitária, na periferia de Belo Horizonte (MG), para refletir sobre as relações entre educação e trabalho. Essa proposta está presente na dissertação de mestrado de Isabel de Oliveira e Silva, defendida em dezembro 1999, na Faculdade de Educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), sob a orientação da professora-doutora Maria Amélia G. C. Giovanetti.
O objeto desse estudo são os sentidos construídos pelas educadoras acerca do trabalho em Educação Infantil. É uma dissertação que procura compreender os processos vivenciados por elas na construção de significados sobre o trabalho e suas relações com o retorno à escola na vida adulta. Procurando extrapolar os limites da experiência de escolarização, Oliveira buscou o entendimento dessas relações, enquanto processos construídos por sujeitos sociais nos diversos contextos de que fazem parte. Trata-se, dessa forma, de um estudo que se situa na confluência da Educação de Jovens e Adultos e da Educação Infantil. As educadoras são entendidas enquanto sujeitos de práticas profissionais em creche comunitária e enquanto sujeitos da Educação de Jovens e Adultos.
O conceito de sentido, adotado por Oliveira, foi tomado do quadro da Sociologia Compreensiva, enquanto orientação das ações dos sujeitos, e constituiu-se no eixo central das análises realizadas nesse trabalho. Entendendo que a inserção e a permanência nesse campo profissional (a educação infantil em creches comunitárias), bem como o investimento na própria formação, constituem ações orientadas por sentidos subjetivos, procurou-se detectar, nas Histórias de Vida das três educadoras, a maneira pela qual se orientaram nos seus processos mais amplos de inserção social, da qual a inserção profissional faz parte. O outro procedimento utilizado foi a Observação Participante na creche em que atuam, a partir do pressuposto de que os sentidos se manifestam nas ações dos sujeitos.
A dissertação está estruturada em três capítulos. O primeiro apresenta as Histórias de Vida das educadoras, separadamente, com o propósito de compreender os seus processos de inserção social, por meio da compreensão dos significados do trabalho, identificando os demais atores sociais que, ao longo de suas trajetórias, participaram dos contextos no interior dos quais construíram os significados sobre si mesmas, sobre os outros e sobre suas experiências. Posteriormente, o texto faz uma análise horizontal, na qual procura detectar as convergências entre as três trajetórias, evidenciando um movimento de inserção em uma rede de relações diferenciada na comunidade.
O foco do segundo capítulo é a creche Assistência Social Kênnedy (ASKE), no bairro Pindorama, periferia de Belo Horizonte (MG). O objetivo é situá-la a partir dos elementos de sua constituição e do seu processo de institucionalização. A partir do entendimento de que a instituição constitui-se da prática dos sujeitos que dela fazem parte, Oliveira aborda, em seu texto, as relações que ocorrem no seu interior e que configuram a sua prática em educação infantil. Desta, emergiram dois eixos de análise: o primeiro deles, refere-se ao processo de construção da identidade institucional da creche, no interior do qual ocorrem os processos identitários dos sujeitos que dela fazem parte. Para esse aspecto, buscou-se nos estudos sobre a prática docente as contribuições para refletir sobre a natureza do trabalho por elas realizado, além daqueles que se referiam especificamente aos processos identitários no âmbito da Educação Infantil.
O segundo eixo refere-se à natureza comunitária da instituição à qual estão vinculadas as educadoras. Esta dimensão, constituinte da identidade institucional, foi abordada também enquanto origem de conflitos, seja entre os diversos segmentos que constituem a creche, seja no que se refere ao processo de reflexão acerca do caráter profissional do trabalho que realizam.
O último capítulo procura explicitar os significados dos processos de formação profissional e escolar das educadoras entrevistadas, procurando articulá-los às suas trajetórias pessoais, especificamente no que se refere às condições de acesso à escola. O capítulo dialoga fundamentalmente com os estudos que refletem sobre as relações entre educação e trabalho, e sobre os significados da experiência de escolarização na vida adulta.
Dentre os resultados da pesquisa, destaca-se a evidência de que o trabalho em creche comunitária ultrapassa, para essas mulheres, os objetivos instrumentais relacionados à sobrevivência material. Insere-se, ao contrário, em um contexto de prática simbólica, reflexiva, em que os sujeitos encontram oportunidade de ampliar a percepção sobre si mesmos, bem como sobre a realidade social mais ampla, o que permite conferir novos significados à sua própria história, em um processo de auto-reconhecimento.
O trabalho de Oliveira evidenciou ainda que a creche comunitária, naquele bairro de periferia, constitui-se em espaço de referência para a comunidade, extrapolando seus objetivos específicos. Para os profissionais que atuam nessa instituição, trata-se da vivência de conflitos relacionados à cada vez maior consciência de que a Educação Infantil deve ser exercida profissionalmente, o que se choca com condições de trabalho que demandam outras formas de se relacionarem com a instituição. Além disso, há que se considerar a natureza mesma do trabalho – cuidar e educar crianças desde a mais tenra idade até os seis anos de idade, em período integral – que dificulta, ainda, a delimitação de contornos definidos a partir dos critérios objetivos. Ao mesmo tempo, dada à importância mesma da instituição no contexto daquela comunidade, atuar ali significa, segundo Oliveira, ocupar um lugar diferenciado, o que confere a elas maior prestígio e, também, acesso a situações e relações que vão além daquele universo.
Ainda nas conclusões, e em decorrência dos sentidos que detecta para as ações dos sujeitos no que concerne ao trabalho em creches — um auto-reconhecimento, a possibilidade de inserção em um ambiente reflexivo, especialmente sobre as questões mais urgentes da comunidade (o que significa refletir também sobre suas próprias condições de vida), bem como, em alguma medida, poder resgatar-se enquanto sujeito cuja inserção social se faz de forma subalterna —, o estudo aponta para a necessidade de aprofundamento dos conhecimentos sobre os sujeitos e suas experiências, para que se possa empreender ações conseqüentes de formação e de habilitação para o trabalho em creches.
“Identidade Profissional e Escolarização de Educadoras de Creches Comunitárias: histórias de vida e produção de sentidos”, dissertação de mestrado de Isabel de Oliveira e Silva. Orientação: profa. dra. Maria Amélia G. C. Giovanetti. Defesa em dezembro de 1999, na Faculdade de Educação da UFMG. 246 págs.